“Não olhamos a democracia como uma herança a ser conservada, mas como uma tarefa para o presente”

Que atenção temos dado, enquanto sociedade, a todas as pessoas sem as quais o mundo não funciona? Na pandemia, identificámos “profissões essenciais”, “trabalhadores da linha da frente”, chamámos-lhes “heróis e heroínas do quotidiano”. Mas muitas das atividades das quais dependemos continuam a ser as mais desvalorizadas, as mais precárias e as mais externalizadas.

No nosso país, a elite dos gestores das 15 maiores empresas (onde se incluem a EDP e o Pingo Doce e a Galp), aumentou em 90% o seu rendimento no ano passado. Uma operadora de caixa de supermercado teria de trabalhar mais de 1250 anos para ganhar o mesmo que o administrador da sua empresa ganhou num ano. Quão democráticas são estas desigualdades?

A nossa democracia nasceu da revolução, tem a marca inapagável desse cordão umbilical.

A democracia não ficou à espera que viesse o documento autenticado ou o papel autenticado. Foi fazer o sindicato, a creche e a cantina. Foi pôr a gente a morar nas casas abandonadas, porque ter casas vazias, ao abandono, não era um direito, e ter um teto sim. Foi passar os filmes todos, que agora não eram proibidos, fazer cooperativas de produção e de teatro e de cinema e até de espectadores. Foi não aceitar esconder, mesmo se um general da Junta de Salvação Nacional dizia que “a revolução não foi feita para prostitutas e homossexuais".

Foi tratar os outros por tu.

Foi sair de casa ou dizer ao homem que agora as coisas mudaram, que o tempo da servidão acabou. Foi a criação do salário mínimo, o direito à greve, a criação do Serviço Nacional de Saúde, da segurança social e o acesso à Escola Pública.

Nós celebramos termos agora mais tempo de democracia do que de ditadura, mas nós não queremos ter só mais tempo de democracia, nós queremos ter mais democracia.

Falta o reforço do Estado Social onde já começámos a construí-lo, como na saúde, e onde não tem existido, como nos cuidados e na habitação. Falta acabar com as hierarquias e as divisões sexuais e com os padrões de colonialidade que persistem.

A memória da revolução é um repertório de luta para ampliar o nosso imaginário e para empurrarmos hoje as fronteiras do possível, contra a exploração, a destruição climática e o despotismo do mercado. O futuro não irá ser o passado, nem a perpétua repetição do presente.